Nasci em ano de Euro, ainda realizado numa Alemanha Ocidental. Não marcámos presença e Van Basten encheu o campo com golos e um perfume holandês tão belo quanto triunfal. A Holanda ganharia frente a uma então União Soviética. Diziam que simbolizava a vitória do Futebol Total... Dito isto, podia sentir-me velho, mas apenas me vejo carregado de golos, histórias e emoções, de muitas cores, bandeiras e dialectos.
E assim cresci, ciente de quem foi Coluna, alimentado por relatos dos golos de Jordão e a agridoce classe de Platini. Fizeram-me ver como Bento agigantava-se entre os postes e Rudi Voeller era sinónimo de classe. Mostraram-me que, em 84, na edição anterior ao meu nascimento, o país tinha saído orgulhoso. Derrotado mas feliz por tudo o que cada "Patrício" tinha dado, feito e sonhado. Tínhamos entrado na história. E o futebol era isso mesmo: cor, alegria, festa, sentimentos chutados a cada segundo por um coração saltitante... e história.
Contaram-me que a Dinamarca viveu um conto de fadas em 92, muito por culpa de um tal de Peter Schemeichel, o único muro impossível de derrubar. Mostraram-me que Klinsmann, Bergkamp e Brolin eram especiais e simbolizavam o que de melhor o futebol tem: o golo. Essa história incrível sentou-se durante muito tempo comigo à mesa.
Depois, veio 96 e uma Inglaterra acolhedora. O país do futebol era a capital da Europa naquele Verão. Não sabia ainda muito bem a dimensão do Rui Costa, Figo, Fernando Couto ou Vitor Baía, mas vibrava com o golo do Sá Pinto daquele jeito inocente e genuino: sem medo do que podia vir a seguir, porque a criança vive apenas o momento. Do alto dos meus 8 anos e sem tomar muita atenção, vi Shearer correr de punho cerrado e erguido, Suker jogar como poucos por um país de um colorido xadrez, o excêntrico Lama defender com calças vestidas e Stoichkov embelezar jogadas com um pé esquerdo impossível de imitar - quando ele tocava na bola lembro-me de me tocarem no braço e apontarem para a televisão - mais tarde, depois de crescer, vim a perceber porquê. O homem era um Senhor!
E neste Euro entristeci por causa de um checo, loiro, de cabelo encaracolado. Mais tarde veio jogar em Portugal: Poborsky, um nome estranho e amargo. Com aquele golo surpreendente, a sala esvaziou-se. A partir dali a família viveria apenas as férias de verão, sem aquele entusiasmo generalizado em redor de uma televisão. Foi a primeira vez que senti Portugal no coração e o futebol na pele. Era tudo tão diferente e especial... O sofá ficava mais espaçoso para o resto dos jogos, passou a ser só para apreciadores. Nos intervalos de cada pedaço de jogo, a minha bola continuava a rolar lá na rua. Fascinei-me com toda aquela festa ganha por Bierhoff. Perdão, a Alemanha.
Depois veio o Euro 2000, o meu verdadeiro Europeu. Os 12 anos de tenra idade já carregavam alguns de futebol. Tinha cromos, cadernetas, sabia os craques de cada selecção, quais os seus pés predominantes e, agora sim, conhecia tudo o que Figo, Rui Costa e João Pinto eram capazes. Venerei Nuno Gomes, deliciei-me com a Croácia, rendi-me à Jugoslávia e dei por mim a sonhar com aquele bonito futebol holandês. Desconhecia tácticas e sistemas de jogo apurados, mas no meu ponto de vista o futebol era aquilo, espectáculo, golos e emoção - uma espécie de Tsubasas em busca da glória. No fim ganhou a França, de um Trezeguet mortífero e de um Zidane magistral. Provei as lágrimas da injustiça após uma queda nas meias. Mas, mais uma vez, Portugal enchia-me de um orgulho enorme. Aquelas lágrimas foram as primeiras e demasiado salgadas, mas o coração não esqueceu cada vitória.
Em 2004 foi cá, em nossa casa. Começou mal, emendou-se com mestria e enfrentámos tudo e todos com a coragem de sempre. Ainda que as marés fossem maiores e em maior número, estes marinheiros sabiam como navegar para águas calmas. Foi como uma força que ninguém podia matar... mas no fim deu-se uma tragédia. As lágrimas foram imensas e o peito ardeu em chamas. Doeu, doeu muito. Algum tempo depois restou o orgulho. Foi a primeira final de Portugal, a primeira vez que ouvi o hino tocar tão alto. "Perdemos a oportunidade de uma vida", ouvia.
Seguiu-se 2008 e a ambição de sempre: ganhar, lutar até ao fim. Caímos aos pés de uma Alemanha tão fria quanto invejável. Fomos aos quartos e viemos com a sensação de que merecíamos mais. Voltámos em 2012, com os mesmos sonhos de sempre. Já ninguém ousava ignorar-nos. Caímos nas meias, à beirinha do sonho, barrados por um travessão cruel. A Espanha foi feliz e acabou por ganhar a prova. Faltou aquele bocadinho assim... A idade dava a maturidade necessária para aceitar as coisas como elas são. Talvez para a próxima, quem sabe...
Hoje, 12 anos depois da final de 2004 e 20 do meu primeiro Euro, deparei-me com um sentimento estranho enquanto prendia a bandeira do nosso país na varanda, com o meu pai:
Esta será a 2ª final para Portugal, a 2ª na história de um país com duas eras diferentes: a dele, que tantos anos passaram e só agora vai percebendo que o seu país não é tão pequeno quanto foi obrigado a ver; e a minha, a de um país que cresceu embalado em sonhos e que está à porta da conquista. Para ele, Portugal sempre teve o tamanho real. Para mim, Portugal será sempre dos maiores.
Então hoje, quando a bola rolar, lembrem-se que serão rostos de todas as idades e corações de todos os tamanhos. Lutem com a força de sempre e conquistem como só nós sabemos conquistar. Aí seremos eternos, Donos e Senhores dessa velha Europa. A nação valente e imortal.
Tornem o nosso sonho real, Seleções de Portugal. Mostrem aos mais novos o verdadeiro rosto do nosso país.
Tiago.
Tiago.
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