3 vezes melhor do mundo e 62 golos marcados: um guarda redes mítico

Começamos por parabenizar o paraguaio pelos 52 anos de vida. Para trás ficou uma carreira louca, recheada de golos - marcados e sofridos. Jo...

Começamos por parabenizar o paraguaio pelos 52 anos de vida. Para trás ficou uma carreira louca, recheada de golos - marcados e sofridos. José Luís Chilavert foi, nem mais nem menos, um louco no mundo dos irreverentes.



O início: Do Paraguai para o San Lorenzo e a compra dos adeptos!

Começou no Sport Luqueño, passou pelo Guarani - onde se viria a sagrar campeão paraguaio de 84 - e logo chegou ao país das pampas, para jogar no San lorenzo de Almagro. Reza a história que o seu empréstimo converteu-se em definitivo após um esforço dos adeptos para ajudar o clube na sua aquisição. Depois de uma campanha de doações que durou alguns jogos, lá o San Lorenzo conseguiu tornar o guardião paraguaio como seu, graças aos seus adeptos. E na Argentina ele foi jogando e crescendo. Chila, como ficou conhecido, era um redes entroncado, alto e largo, uma combinação perfeita entre o exagero e o aceitável Mas, à boa moda sul americana, era uma personagem forte, um desafiador da calmaria, um seguidor do caos. Não temia nada nem ninguém, fossem eles lendas, ídolos e melhor ainda, adversários. Comprou guerras com uns quantos e, dentro de campo, venceu uma grande parte delas.


O temperamento difícil:


"Muitos dizem que sou uma personagem, mas creio que para se estar na baliza tem de se ter 3 coisas: personalidade, psicológico e condições técnicas. Sem elas não poderás estar na baliza."

e continua,

"Uma vez, na selecção paraguaia, um treinador pediu que rezássemos no balneário. O que lhe disse? Disse-lhe que rezava quando queria e não quando ele me pedisse. O que acontecia se os dois balneários rezassem? A quem acudiria Deus? Há tanta gente humilde à espera da ajuda de Deus... Então, uma pessoa que trabalha durante a semana, come as melhores comidas e está concentrada nos melhores lugares, para pedir ajuda a Deus é porque é um desastre"

Frases fortes de alguém que nunca teve jeito para segurar palavras.


O dia em que lhe mostraram o caminho:


Mas a peculiaridade de Chila começou num jantar, mediante uma simples explicação de El Toto:

"Com 19 anos eu aprendi muito com Juan Carlos Lorenzo. Uma vez, chamou-me para comer com ele e, no meio de desenhos de campo e setas, disse-me que tinha qualidade no jogo de pés e que lhe facilitava o trabalho. Depois, aos 23 anos, cheguei à Espanha e lá todos achavam que estava louco quando saía da área para ganhar metros". 

Chila fixou a visão de Toto e preferiu dar passos nesse caminho.


A aventura espanhola e o início do sonho: Velez e a era dourada!

Mas voltemos ao percurso do guardião. Em 1988 esteve com um pé no River Plate, numa troca de jogadores que acabou gorada. Apesar de tudo, o paraguaio saiu do San Lorenzo no ano seguinte, tendo como destino Espanha, o futebol europeu e mais concretamente Zaragoza.

Conforme o próprio referiu e citámos supra, a concepção de jogo de Chilavert não era igual à dos espanhóis. Chila era um guarda redes de bola no pé, de jogo de construção e batedor de bolas paradas. Gostava de arriscar no golo. E foi precisamente através de um golo marcado - de grande penalidade - que os espanhóis negaram esses dotes. Frente à Real Sociedad, o paraguaio converteu a grande penalidade, fez golo e acabou por sofrer de seguida, num rápido recomeço de bola a meio campo. Um lance imperdoável que lhe custou o estatuto de marcador de penaltis.

Um jogador tão temperamental, de personalidade forte e "fora da caixa" choca com o comodismo conceptual de um futebol secular, então Chilavert abandonou o clube e regressou à Argentina. O louco regressou ao futebol dos irreverentes. E aqui começa, efectivamente, o sonho!

Reforçou o Velez de Sarsfield. A sua estampa física era impiedosa para uns mas excessivamente redonda para outros. Chilavert respondia que eram mentes quadradas. Aliás, "gordo" foi uma palavra que o guardião aprendeu a escutar, apesar das suas estiradas em campo. E foi com a chegada de Carlos Bianchi que o Velez cresceu e marcou uma geração. Na década de 90 o paraguaio liderou uma era dourada dos argentinos

- campeão argentino (clausura) 93
- campeão argentino (apertura) 95
- campeão argentino (clausura) 96
- campeão argentino (clausura) 98

- campeão copa Libertadores 94
- campeão copa intercontinental 94 (frente ao Milan)
- campeão copa interamericana 94

- campeão supercopa Libertadores 96
- campeão recopa sul americana 97



Por esta altura, Chila era titulado, respeitado, dono da baliza e senhor das bolas paradas. Fosse de penalti ou de livre, a bola era dele e o golo tinha a sua autoria. Já debaixo da sua trave ele fazia os possíveis e impossíveis para não deixar que o adversário festejasse. Além disso, era ídolo, dos principais rostos de um continente e coleccionador de inimigos. Fazia questão de alimentar as suas guerras. Nem Maradona escapou.


O regresso à Europa e o início do fim:

Só que, há sempre uma hora marcada. Em 2000, o ídolo das balizas do Velez saiu e foi para o aflito Strasbourg, da Ligue 1 francesa. O regresso à Europa na louca tentativa de conseguir manter o clube na divisão de elite foi agridoce. O clube desceu mas a equipa ganhou a Taça de França. Mais um título para o seu currículo! Ficou por lá mais um ano, até voltarem a subir ao principal escalão. Depois, era hora de voltar à sua América do Sul. O corpo já começava a dar indícios de que não aguentava ser atleta.

Regressou para o Peñarol, do Uruguai, ganhou o Campeonato de 2003 e saiu. A chegar aos 40 anos de idade, Chila voltou ao seu Velez. Ficou na reserva, completando apenas 6 jogos. Estava a chegar ao fim a sua história, a história. Uma história bonita, recheada de polémicas, grandes defesas, troféus e golos.

A sua despedida ocorreu num jogo com a nata da América do Sul, rodeado dos melhores daquele continente. Todos queriam prestar homenagem a um homem diferente, impetuoso mas trabalhador, a um guarda redes que tinha tudo para ser distinto mas nunca deixou de se considerar um guarda redes. Alguém que, uma vez, seguiu o conselho de um El Toto e quis tirar proveito do seu dom com os pés enquanto jogava com as mãos. Alguém que imaginava que era possível fazer mais do que defender.



O guardião e a sua selecção:

Não só dos clubes viveu Chila. No Paraguai virou nome incontornável, figura maior, capitão e referência. Chegou à selecção quando jogava em Espanha, em 89, e na qualificação para o campeonato do mundo de 90 tinha o seu nome presente na lista dos marcadores: foi de penalti, frente à Colômbia. Ainda assim não chegaram lá, por muito pouco.

Para trás ficou também a qualificação para o mundial de 94, perdida por um mísero pontinho. Mas, em 98, em França, o Paraguai estaria presente - e de que maneira! A qualificação ficaria marcada por um empate diante a Argentina, a 1-1, com golo de Chilavert!

Uma vez chegados ao Campeonato do Mundo de 98, o Paraguai fez um grande torneio, acabando por ser eliminado só aos pés da anfitriã e futura campeã mundial França. Caíram nos oitavos. Um golo bem no fim do prolongamento deitou por terra um sonho enorme. Chila defendeu tudo, ou melhor, quase tudo. Defendeu tanto que acabou por ser considerado o melhor guarda redes do Mundial.


A partir daqui, o tempo deixou de ser amigo de Chilavert. Ainda foi à Africa do Sul, em 2002, mas não foi muito feliz. Para trás tinha ficado uma polémica feia com Roberto Carlos. Uma cuspidela na cara do brasileiro que lhe custou um merecido castigo. Despediu-se da selecção no ano seguinte, entregando a baliza e a braçadeira a outro rapaz sonhador. De preferência carismático.

Na hora do adeus, Chilavert recorda os seus 62 golos. Foram 45 de penalti e 15 de livre. 2 de bola corrida. Era o guarda redes artilheiro do mundo, até Rogério Céni o superar. Na actualidade, o paraguaio é fã de Neuer.


A nível individual teve uma carreira fantástica:

- melhor guarda redes do mundo em 95, 97 e 98
- melhor guarda redes do campeonato argentino 96
- melhor guarda redes do campeonato do mundo de 98
- jogador do ano de 96 e 99
- melhor jogador da América 96




Sobre Chilavert, escreveu Freitas Lobo:


"Onde está, neste momento, o futebol paraguaio? Falhar o Mundial é apenas um detalhe para quem da Europa se habituou a vê-lo como tacticamente dos mais fortes, por isso chamaram-lhe a "Itália da América do Sul". O momento que vive (e nos clubes) está para além de uma mera crise geracional.

Recordo sempre a imagem de Chilavert. Não as suas loucuras. Recordo a sua atitude no Mundial 98, no relvado, depois de soar o apito final do jogo que o 11 guarani perdera após resistência heróica, no prolongamento, frente à França. Aos poucos, cada jogador foi tombando no relvado, de joelhos, mãos na cabeça, desfeitos. A primeira reacção de Chilavert foi a mesma. Caiu quando viu tudo terminado, mas, de pronto, ergueu o olhar, viu os seus companheiros destroçados, caídos, e logo ele se levantou, imponente, e foi levantar um a um, erguendo-lhes o queixo, batendo-lhes no peito e gritando-lhes. Ninguém podia ficar assim. Ninguém podia passar a imagem após a batalha. Ninguém podia sair do campo assim. E, um a um, erguidos, cabeça levantada, olhar insolente de quem estava pronto para desafiar o mundo já a seguir, outra vez, abandonaram o relvado. Os líderes são feitos desta matéria, levam-te por caminhos que só eles conhecem".

Em suma, e para aqueles a quem o nome nada diz, Chilavert foi mais um guarda redes, louco, sul americano e excêntrico. Só que foi 3 vezes melhor do mundo e fiel a uma ideia de jogo em que ele ajudava mais do que atrapalhava. Em que construía e não se limitava a destruir. Ideia essa que, um dia, à refeição, alguém lhe deu.

Tiago Carvalho.

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