Magriços, 1966: Quando um país saiu da sombra

Escreveu o grandioso Luís Vaz de Camões, n`Os Lusíadas, que um dia 12 damas inglesas terão desafiado nobres cavaleiros a lutarem pela defesa...

Escreveu o grandioso Luís Vaz de Camões, n`Os Lusíadas, que um dia 12 damas inglesas terão desafiado nobres cavaleiros a lutarem pela defesa da sua honra. Então coube a Álvaro Gonçalves Coutinho - conhecido como O Magriço - e a mais 11 cavaleiros portugueses, tal responsabilidade, em pleno solo inglês. Ora, uns bons séculos depois e sem quaisquer dúvidas da sua veracidade, a história lusitana, repleta de bravura, repetia-se. E lá foram os Magriços, agora do brasileiro Otto Glória.

Podíamos começar por falar de quem éramos em 1966, de como estávamos ou do quão difícil seria ouvir o que dizia o mundo. As nossas portas estavam demasiado fechadas para o exterior. Éramos ainda um Império, agarrávamos o que podíamos e o que nos restava. Vivíamos do que tínhamos sido e recusávamos o que devíamos ser. No povo já existia saudade,  mas saudade daquilo que não éramos. Aquilo que, agora, orgulhosamente, somos. Livres.
Tão livres quanto Eusébio foi naquele mítico Mundial...


Em 1966, na festa de um Mundo cada vez mais distante, Portugal não conquistou o troféu mas esteve perto. Os magriços eram simpáticos, lutadores e talentosos, tinham, por entre a raça de quem tudo faz por um escudo, a mais valia de um Eusébio. Um rapaz de pele africana e coração lusitano. O avançado que marcava, fuzilava, virava placards, chorava e deliciava o mais enfadonho adepto inglês. O Mundo rendia-se ao "Pelé Português".

Caímos nas meias, aos pés da anfitriã inglesa, depois de termos deixado o verdadeiro Pelé e o seu Brasil para trás. Sucumbimos perante a vencedora do troféu, numa jogada polémica e suspeita, efectuada bem fora do jogo. Depois, limpámos as lágrimas e levantámo-nos, enfrentámos o lendário Yashin e voltámos a dobrar as tormentas. Terminámos em 3º lugar, a nossa melhor prestação num Mundial. 

Se tudo o resto que foi dito supra não contou para nada, ao menos este dado dá a importância ao feito: Demorámos mais 20 anos para voltar à alta roda mundial. Só regressámos em 1986, no México (e nem temos grandes saudades)...

Foi em 1966 que pela 1ª vez mostrámos ao mundo que já não o queríamos conquistar pela força. A nossa arma, agora, era o talento. A coragem, essa, era a de sempre. Está-nos no sangue.

Agora, 51 anos depois, a Gola não podia deixar passar tamanho feito, ainda que nenhum de nós fosse vivo (nem pensado). Há motivos de orgulho que são património nacional e cabe a todos nós mantê-los na História.



As cadernetas da época eram bem diferentes, sem grandes destaques, estrelas e protagonistas. Os rostos, banais, foram perpetuados pelos seus nomes. Estavam destinados a ser mais uma página numa história qualquer, mas acabaram por ser a capa de um dos livros mais bonitos que temos. Para nós, aquele 3º lugar já foi um final feliz e estes nobres cavaleiros foram o 1º Tomo do nosso "Lusíadas" futebolístico.


A todos um sincero obrigado. Nós fomos as vossas cores e vocês a nossa bandeira.

Tiago Carvalho

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