Foto: SapoDesporto |
Carrillo é o nome mais falado nos últimos dias. Aliás, dissociar o peruano do Sporting é matéria complicada quando se fala do futebol leonino. André Carrillo começou a época em grande forma e parece focado em aumentar a regularidade do nível exibicional demonstrado na época transata. É jovem, tem um estilo de jogo atractivo e empolgante, é daqueles que traz gente ao estádio e faz o adepto mais fervoroso assobiar até expurgar a raiva do corpo. O peruano é de extremos, precisamente a sua posição: tanto descomplica um jogo sozinho, como o complica no lance mais simples e fácil que o futebol tem.
O Sporting está numa restruturação cimentada. A direcção, que já não é "a" nova mas "a" actual, ainda luta para emendar os erros cometidos anteriormente. Ao mesmo temo que corta, limpa e corrige, preocupa-se com o crescimento do clube. Carrillo representa tudo isso, o crescimento e o erro, um corte e um investimento, um investimento e um retorno. Carrillo é um activo carregado de potencial, o mesmo descoberto há tempos, pela equipa de Godinho Lopes. Para o convencer foi preciso pouco - era a Europa do futebol, o sonho de qualquer sul-americano - mas para ganharem o seu concurso foi preciso algo mais, por entre clubes, agentes, empresários e afins. O negócio acabou por concretizar-se e o próprio Godinho Lopes, naquela onda de cabeça perdida, hipotecou o futuro para salvar o presente. O passe foi tripartido, repartido e não sei mais quê. Pini Zahavi ficou com uma percentagem significativa do jogador e o Sporting lá conseguiu ganhar o suficiente para mais um mês de salários... Uma história tão bizarra quanto recente. Tão inacreditável quanto triste.
Bruno de Carvalho chegou ao trono do reino leonino, prometeu trabalho, tocou na ferida, chocou os mais sensíveis e arregaçou as mangas. Mudou mentalidades, trouxe os seus Carrillos, renovou com as promessas e com os jogadores que conseguiu, correu com empresários, lutou por passes, vendeu jovens e comprou outros. Prometeu um futuro risonho e está faminto de títulos, aqueles que faltavam há anos. Hoje, uma Taça de Portugal e uma Supertaça depois, o Sporting deixa sair um Rubio talentoso mas chorudo (o seu ordenado era escandalosamente alto), encosta um Viola promissor e guerreiro mas não (economicamente) útil (a percentagem do passe pertencente aos leões é vergonhosa), desiste de um Labyad milionário e excêntrico, destinado a não passar de um jovem promissor, e agarra-se a uma esperança e muitos medos por Carrillo. (Engraçado como foram enumeradas jovens promessas que foram rotuladas prematuramente de craques).
Esmiuçando Carrillo, mais do que um jogador gingão, supersónico e imprevisível, é um monte de jogos entusiasmantes com lances vistosos. A regularidade do peruano sempre foi contestada, a sua clarividência um problema e a decisão um dos grandes entraves à sua explosão. André Carrillo cresceu muito defensivamente com Marco Silva, trabalho cimentado agora por Jesus, mas ainda não se completou. A sua concentração e entrega ao jogo aumentou, mas não o suficiente para chegar à elite do futebol. O amadurecimento demora mais nuns do que noutros, mas o tempo de carreira é semelhante para todos. Jesus, melhor do que ninguém, pode desenvolver este talento, mas o tempo escapa como areia fina por entre os dedos.
Depois há Carrillo e a sua vontade. Qualquer jogador quer sempre mais. Chegou à Europa carregado de promessas, rodeou-se de agentes, super agentes e dirigentes do mesmo nível. Viveu a realidade de um grande que em campo pouco mostrou e fora dele muito barulho fez. Uma vez conquistado o seu espaço, em Portugal, chegou a hora de ambicionar mais dinheiro, melhores condições e outros voos. A ver vamos se o objectivo é cimentar lugar na europa do futebol se exclusivamente mais dinheiro. Às vezes estes casos vão longe demais e acabam demasiadamente perto. É legítimo o jogador querer partir? Sem dúvida, está no seu direito. Mas então que se deixe de dar o dito por não dito, o é não é, estou não estou, quero não quero, gosto e não gosto. Como a boa fé deveria imperar, o jogador, aquando do começo das negociações, deveria dizer que queria x para ficar ou não queria ficar de todo, possibilitando o clube de negociar e deixar sair o seu activo com a rentabilidade possível. Carrillo escreve "amo-te" Sporting, enquanto jura ao seu amante (outro clube) que um dia abandonará os leões para ficar com ele. Enquanto pode, vai aproveitando os dois.
Os agentes, empresários e terceiros, titulares do passe, usam as armas que têm contra quem os quer desarmar. Uma trapalhada que complica o futebol, ao mesmo tempo que o torna maior, com negócios volumosos e complexos. Renovar com um jogador é distribuir dinheiro por várias partes e encher o bolso de outros tantos, enquanto apenas um vai para dentro do campo jogar. O "futebol" moderno, portanto, que de futebol tem muito pouco. Quem semeia ventos, colhe tempestades. Depois de Bruma, Carrillo é mais um caso resultante da posição tomada pela turma de Alvalade. É mais uma busca desenfreada por milhões, desses homens de negócios insensíveis a caras e corações.
Depois há a boa fé, a consideração e o respeito que as partes deveriam ter no seu relacionamento laboral. O jogador teve tempo para dizer que queria partir ou para dizer que só ficaria mediante certas condições. O Sporting teve tempo para renovar com o jogador ou, pelo menos, fazer ultimatos atempados que pudessem evitar esta indefinição antes do fecho do mercado e do aproximar vertiginoso de Janeiro. Os 6 meses que antecedem o término do contrato são meses do jogador e serão meses do Sporting. O jogador pode definir a sua época seguinte, correndo o risco do clube definir-lhe o rumo da época. Estará Jorge Jesus preparado para apostar em Mané ou Gélson, enquanto desiste do Carrillo? Bruno de Carvalho sabe que, enquanto gestor máximo de um clube, se não resolver a situação a bem, terá forçosamente de resolver a mal. O sacrifício da utilidade prática do jogador terá de servir de aviso para os demais. O jogador será penalizado por algo que fez no exercício do seu direito. Um tema delicado e difícil, mas mais do que um grande clube, um grande presidente passa por isso, tornar insignificante (por mais preponderância que tenha) quem não o dignifica.
Com toda a gente a ficar mal numa fotografia que pode muito bem não ser para emoldurar, Carrillo está na iminência de seguir as pisadas de Maxi Pereira e JJ, tornando-se mais um golpe duro de aceitar no futebol português. Depois de Moutinho (que apesar de pouco, ainda rendeu algo aos cofres de Alvalade) já se fala novamente em maçã podre. O tempo urge e escasseia, mas ainda há tempo. O peruano de 24 anos tem um potencial extraordinário, o Sporting é maior do que Carrillo e este assunto traz fantasmas de um passado que os leões ainda emendam. Ou seja, este (não) assunto mostra que o "furto" de Jorge Jesus pode ter uma retaliação quase imediata. Há medo para os lados de Alvalade! Um assunto que podia ser insignificante caso não mexesse com tanta coisa.... Mas mexe, e muito!
Tiago Carvalho.
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