San Iker

Só quem já calçou as luvas sabe a verdadeira dimensão do Homem. Quando a bola sai do pé o tempo pára e tudo se concentra naquele momento: tu...

Só quem já calçou as luvas sabe a verdadeira dimensão do Homem.

Quando a bola sai do pé o tempo pára e tudo se concentra naquele momento: tu e ela, como se tudo fosse tão perfeito quanto o pulmão cheio de ar e os bicos dos pés a cada "chamada".

Para quem te rodeia tudo é demasiado rápido, veloz e instintivo, mas, para o guarda redes que não tira os olhos da bola, ela parece nem rolar enquanto te deslocas como se fosses salvar o mundo.

Só quem já sofreu um golo sabe como nos sentimos pequenos. Só quem já voou sabe a sensação de ser livre.

Ninguém cai tantas vezes como nós, mas também ninguém tem a capacidade de se erguer tão rápido.

E a tua dor é anestesiada pela alegria dos teus. Isso chega para dar sentido ao jogo.

Somos diferentes, como tu bem sabes. No equipamento, na exigência, no jogo e na maneira como o vemos. Porque a história recorda o golo do Iniesta e tu viveste para o momento anterior.

Só tu e o Robben não se esquecem da importância daquele momento...

Quando tinha a idade de voar para uma bola, sonhava ser como tu. Por mais pequeno que fosse, por mais veloz que ela viesse, por maior que fosse a baliza, queria ser como tu. Ao menos a cair, ao enrolar, na presença ou no encaixe, queria ser como tu. E foram inúmeros os treinos em que te imitava, porque tudo o que fazia já era teu.

Caí, levantei, sofri golos, frangos, agarrei remates e toquei com as pontas dos dedos no céu que era teu. Cresci a saber que não chegaria a ser quem és, mas, na terra batida, na relva, coberto de lama, com sol ou chuva, federado ou com amigos, queria ser como tu.

A cada remate sentia-me do teu tamanho e isso ajudava-me a encolher a baliza.

Depois de tanto troféu, de agarrares o mundo com as tuas mãos, capitaneares uma nação e seres Senhor da maior baliza da história do futebol, assinaste pelo Porto. Eu meti as mãos na cabeça e delirei. Como se voltasses a ser o miúdo maravilha e eu o garoto que ficava ali, sentado, colado à tv a ver-te jogar.

Agora, depois de tudo, acabas sem te despedires como querias e, mais do que isso, sais sem te agradecermos como mereces. Que injustiça!

Mas, só quem sofre um golo tem essa capacidade de dar a volta por cima e de partir para novos voos.

Vais pendurar as luvas, San Iker, e imagino como isso deve doer. É o fim de um ciclo, de um sonho, de uma das maiores histórias do jogo e de muitas balizas.

É o adeus de um ídolo.

Todavia, no que depender de mim, não me cansarei de contar a história das mãos mais fascinantes que já conheci.

Que viagem esta, Iker Casillas!

Que prazer foi querer ser como tu.


Tiago Carvalho

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