O jogo que ninguém ganhou

A História não escolhe momentos, eterniza-os de forma avulsa, sejam eles bons ou maus. Depois cabe ao Homem filtrá-la e guardar apenas o qu...

A História não escolhe momentos, eterniza-os de forma avulsa, sejam eles bons ou maus. Depois cabe ao Homem filtrá-la e guardar apenas o que é bom lembrar. Mas a Gola pretende viajar até ao fatídico Verão de 2003, altura em que o Futebol, na sua celebração máxima, conheceu o lado mais negro da vida: a morte. E tudo o resto perdeu importância. Não havia mais nada para além daquela desgraça.

O conto de fadas começava em França, em 2003, um ano antes do "nosso" Euro. Para trás tinha ficado um Campeonato do Mundo asiático, envolto em polémicas, prestações decepcionantes e um Brasil campeão mundial. Num grupo em que os canarinhos discutiam pontos com Camarões, Estados Unidos e Turquia, os brasileiros acabaram por ficar de fora precocemente. O domínio foi africano, com uns Camarões tão determinados quanto temíveis. A Turquia acabou por segurar o 2º lugar deixar o Brasil de fora.

No outro grupo liderou a França, a anfitriã. Três jogos e três vitórias. A Colômbia tinha perdido com a França mas acabou por ganhar o ombro a ombro com Japão e a decepcionante Nova Zelândia.

Nas meias finais a competição acabou. A França levou de vencida a Turquia, por 3-2, numa primeira parte imprópria para cardíacos, mas foi na vitória camaronesa (por 1-0) frente à Colômbia que a bola deixou de rolar. Quando tudo parecia tornar-se festa, quando o quente de África conquistava qualquer coração, por mais gelado que fosse, Marc Vivian Foé caiu subitamente no relvado. Desamparado. E ali permaneceu, inerte. O médio do Lyon não mais se levantou. Ali morreu, levando toda a tristeza que uma nação pode conter. Já não interessava a bola, o jogo tampouco o resultado. Os Camarões tinham perdido tudo o que havia para perder. O mundo percebeu tamanha perda. 


Ainda assim, e contra a vontade da maioria, o Torneio continuou. Dois dias depois, a Turquia marcava um golo tardio e vencia a Colômbia por 2-1, alcançando o 3º lugar.

Três dias depois realizou-se a final. Os anfitriões sentiam a dor que um povo carregava, que aqueles homens sentiam a cada toque naquela maldita bola. E os camaroneses, vazios por dentro e tristes por fora, deram tudo. O pouco que ainda tinham. Coube a Thierry Henry sentenciar o desafio, aos 97 minutos, depois de um 0-0. O francês já tinha eternizado o torneio num "festejo", de dedo no ar e olhar para o céu. Tão simples e tão emotivo. Uma despedida universal a quem tudo deu em prol do jogo. A quem morreu a fazer o que mais gostava. A quem não merecia porque um leão não morre na sua savana.



Na verdade, aquele jogo nunca se jogou. 


Eterna saudade, 
Marc-Vivian Foé 



Tiago Carvalho

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