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Peter Shilton: Traído pela mão de um Deus
12:12:00
"Chamam-lhe guardião mas também podia ser chamado
mártir ou palhaço das bofetadas. Dizem que no local onde pisa não volta a
crescer a relva. É um solitário. Não marca golos. Está ali para impedir que os
marquem. O golo, a festa do futebol: o guarda-redes, esse desmancha-prazeres,
desfá-la. O primeiro a pagar. O guarda-redes tem sempre a culpa. E se não a
tem, paga à mesma. E quando a equipa tem uma tarde má, é ele quem paga a conta,
sob uma chuva de remates, expiando pecados alheios. A multidão não perdoa ao
guarda-redes. Saiu em falso? Escorregou de forma ridícula? Deixou ressaltar a
bola? Foram de seda aqueles dedos de aço? Com apenas uma fífia, o guarda-redes
arruína um jogo ou perde um campeonato, e então o público esquece subitamente
todas as suas façanhas e condena-o à desgraça eterna. A maldição persegui-lo-á
até ao fim dos seus dias."
Eduardo Galeano.
Eduardo Galeano.
Posto isto, falemos de Peter Shilton, formado no Leicester
e antiga glória do fantástico Nottingham Forest de Brian Clough. Com o seu
talento, conquistou a Inglaterra e o mundo do futebol. Bateu recordes e
escreveu o seu nome nos livros da história.
Peter Robinson/Empics/PA Photos |
Apesar de todos os feitos indeléveis, Shilton não consegue
fugir a alguns momentos marcantes: o infeliz golo sofrido contra a Polónia que
colocou a Inglaterra fora do Mundial de 74; o espectacular golo de Maradona no
Campeonato do Mundo de 86 - aquele do El Pibe, fintando uma série de ingleses,
inclusive Shilton, antes de marcar; e a mão de Deus, do inevitável Diego
Armando Maradona, novamente. São estes os momentos em que Shilton aparece
eternizado no lado errado da história. E estes perduram e as pessoas não esquecem...
Como bom guarda redes que era, Peter Shilton soube sempre
reerguer-se e colocar-se no caminho da bola. Foi daqueles que jogou com e sem luvas,
brilhou vezes sem conta, defendeu o possível e o inacreditável e deixou marcas
reveladoras de um talento enorme. Estreou-se aos 16 anos, assumindo-se como o
substituto legítimo do lendário e ex-campeão mundial Gordon Banks. Ganhou 2
Ligas dos Campeões, 1 Supertaça Europeia, 1 Campeonato Inglês (tudo isto pelo
Nottingham Forest) e detém o recorde de Internacionalizações pela Selecção
Inglesa - 125 jogos. Realizou 1349 partidas enquanto sénior e 848 delas na Primeira Liga Inglesa (um recorde). Marcou um golo. Jogou em 3 Campeonatos do
Mundo (o último com 40 anos, Italia 90)
e teve 4 jogos consecutivos sem sofrer golos num mundial. Eis Peter
Shilton, o guarda redes mais caro e o jogador britânico mais bem pago na década
de 70. Um fenómeno das balizas que "só" tinha a tarefa de suceder a
Gordon Banks.
Hoje, apesar do orgulho que sente por tudo o que deu e
alcançou, ainda lamenta: “Infelizmente, todos se lembram e falam do que
aconteceu em 1973, contra a Polónia, na qualificação para o Campeonato do
Mundo. Um remate fraco que passou por baixo, entre mim e o poste. Infelizmente
empatámos o jogo e não alcançámos o torneio. Alguém me fala das cinco ou seis
defesas que fiz contra a Polónia que nos ajudaram a chegar ao Mundial de
Itália, em 90? Não! Mais de 40 anos depois, ainda me questionam sobre aquele
maldito golo! Mas é algo com que tens de aprender a lidar..."
Talvez o escritor Eduardo Galeano tenha razão. Talvez seja
por isso que ser guarda redes é tão diferente e especial.
Tiago Carvalho
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